quarta-feira, 1 de outubro de 2008
Cristologia Paulina
1. Considerações Preliminares
A Cristologia é o centro da pregação pós-pascal. É determinante, nesse contexto, uma hermenêutica cristológica. Foi esse o caminho da pregação e da literatura paulina. Paulo arquiteta, na sua Cristologia, uma estrutura de pensamento muito aprofundada, complexa e especulativa. Ele usa um vocabulário rico e de variadas nuances filosóficas. Ele, também, conhece muito bem o corpo de doutrina acerca do Messias, existente no Judaísmo. Tratava-se de algo, também, extremamente bem elaborado. Esta é uma referência fundamental no seu trabalho de elaboração da sua Cristologia, colaborando na compreensão da riqueza do seu pensamento cristológico, extenso e muito profundo. Essa extensão e profundidade não permitem, pois, uma abordagem rápida para tocar, ao mesmo tempo, e, num único conjunto, a globalidade do seu pensamento cristológico. É importante elaborar, portanto, uma compreensão do conjunto das questões abordadas, como a constituição de instrumento, para se poder fazer uma garimpagem nas minas ricas desse seu pensamento cristológico.
Esta abordagem aqui será mais de caráter hermenêutico teológico, assentada em argumentações exegéticas, menos de caráter histórico-teológico. Isto é, a meta posta é configurar uma compreensão do conjunto daquilo que constitui a Cristologia Paulina, sem exames exegéticos detalhados de textos em particular, tomando, no entanto, alcance de sua significação para configurar a compreensão buscada. Em razão da exigüidade do espaço não se faz abordagem abundante de questões de caráter mais histórico-teológico ou histórico-literário, como é o caso da evolução do pensamento paulino no processo de redação de suas cartas ou mesmo a questão importante da tradição paulina relacionada com a tradição de Jesus nos evangelhos, considerado como contexto pré-pascal, centrado na mensagem do Reino.
É importante, ainda sublinhar que esta riqueza de pensamento na configuração da cristologia paulina não se trata de uma simples idéia especulativa. O apóstolo elabora sua cristologia como fruto de uma experiência real. Suas elaborações nascem da convicção do seu encontro pessoal com o Cristo Vivo. Sua Cristologia se constrói a partir desta experiência. Na verdade, ela é uma autêntica linguagem da experiência. Foi o encontro pessoal com Cristo que transformou sua vida. A força dessa transformação, ele advoga, vem da significação real da vida e da pessoa de Cristo. É o que ele ensina e constitui como caminho para a vivência autêntica da fé para aqueles que crêem em Cristo. Por isso, Paulo elabora sua Cristologia com um profundo entrelaçamento da história de Cristo com a história do homem. Não é, pois, uma compreensão especulativa de uma pessoa, mas experiencial. O conjunto das argumentações revela, pois, a magnanimidade de Deus ao enviar seu Filho Amado. A vida da humanidade tem, então, em Cristo o seu significado. Sem Ele esta não tem significado. Assim, se o homem não é filho de Deus, não é autenticamente homem. A entrada de Cristo na história humana é a garantia dessa conquista e de sua consolidação.
É determinante considerar no pensamento de Paulo a focalização que ele faz em se tratando da vida individual de Jesus. Jesus se imola. Nessa sua imolação ele abre um caminho novo na relação com a humanidade e com Deus. Seu ministério terrestre e sua morte, prostrando por terra todos os inimigos, por último a morte, abrem um caminho interior novo para os corações, sendo referência essencial no pensamento de Paulo. Ele frisa a importância da morte de Cristo, na sua força redentora, não menos a força ética do seu exemplo e dos seus ensinamentos, como processo de configuração da vida cristã. Essa referência ética é também uma confirmação do conhecimento que Paulo tem do Jesus dos evangelhos. Nesta direção é importante considerar o Evangelho de Lucas, tendo presente este colaborador de Paulo, que no seu trabalho, certamente, visa ao atendimento de uma necessidade eclesial importante no que se refere à demanda específica entre os gentios. Assim, pois, um caminho também muito rico é o de articular as categorias do pensamento paulino e o conteúdo da vida humana de Cristo.
A compreensão da abordagem da visão de Paulo, marcada com os traços da universalidade, tem importância própria na articulação desta com o que é próprio da narrativa do Evangelho, enquanto mostra Jesus Cristo na sua longa peregrinação e rica missão. Paulo ajuda a compreender, pois, que essa importante missão é sustentada por um ato vivido de libertação na vida humana.
Paulo é um pensador muito criativo. Certamente, o mais criativo das origens cristãs. Ele se beneficia, pois, das matrizes do judaísmo de origem e do cristianismo anterior a ele. Sua impostação perpassa três referências temáticas fundamentais: 1- Cristo como autor da salvação: I e II Ts; I Cor 15, acentuando a perspectiva escatológica; 2- O dom de Cristo: I e II Cor, Gl e Rm, sublinhando a soteriologia, enquanto focaliza a participação do cristão na vida do ressuscitado; 3- O mistério de Cristo: Fl, Ef e Cl, focalizando a identidade pessoal de Cristo, particularmente a sua divindade.
É verdade que a experiência pessoal de Paulo contextualiza seu pensamento cristológico. Contudo, é importante ter presente que sua Cristologia tem objetividade própria. Portanto, sua Cristologia não é, simplesmente, uma hermenêutica de sua experiência pessoal vivida na estrada de Damasco.
A compreensão da pré-existência de Cristo é determinante no pensamento paulino, segundo o que aparece no hino pré-paulino de Fl 2,6-11.
A Cristologia Paulina, portanto, nos escritos de Paulo, não é tratada como uma temática à parte. De tal modo que sua abordagem não é mais conveniente quando se trata, por exemplo, carta por carta. Assim, sua Cristologia é a premissa indiscutível para a abordagem de todas as outras questões e temáticas, tal como a soteriologia. Sua Cristologia, então, nasce da consideração que ele tem de Jesus Cristo como o dado determinante do seu discurso, a partir de uma compreensão que se tem d’Ele. O desafio que permanece sempre na abordagem cristológica é, exatamente, o de garimpar sempre, com precisão, os conteúdos das cartas e enuclear as elaborações explicitadoras do significado de Cristo. Pode-se admitir que solus Christus é o princípio hermenêutico e propulsor do pensamento paulino. Isto é, sem Cristo, Paulo não teria tomado, de modo tão denodado, a atividade missionária, nem mesmo teria repensado e reorganizado o patrimônio cultural-religioso que possuía como um fariseu fiel. Assim, Paulo não trabalha como um filósofo que, no escritório, explicita conceitos. Na verdade, ele interpreta uma história que tem como centro a morte-ressurreição de Cristo, sua experiência pessoal na estrada de Damasco e a situação vivida pelas Igrejas às quais ele dirige sua mensagem e ensinamentos. De tal modo que o discurso sobre Cristo não é apenas um discurso informativo, mas performativo. Ressalta-se, então, a singularidade da experiência do encontro pessoal com o Cristo que marcou o sentido decisivo e novo da vida do apóstolo e o sentido de sua missão.
Tais aspectos abordados, e tantos outros, permitem perceber a riqueza e complexidade da Cristologia Paulina. Ao mesmo tempo confirma que só por esse prisma de leitura e compreensão é possível alcançar o sentido e a singularidade de sua abordagem, possibilitando, no alcance de sua experiência como apóstolo e missionário, a todos os crentes conquistarem a grandeza do que o mobilizou profundamente e fez dele aquele de quem disse o Pe. Lagrange: “ Depois de Cristo, Paulo é único”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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